Liga Católica: 120 anos de Brasil. E tudo começou na Glória…

Quando em 27 de maio de 1844, na cidade de Liège, na Bélgica, o Capitão Henrique Belletable e seus companheiros, o alfaiate Carlos Hacken e o carpinteiro Gilles Jongen, fundaram a chamada Associação da Sagrada Família, como foi inicialmente denominada, tinham como principal preocupação a indiferença religiosa, fruto malfadado do século das luzes, e do capitalismo desumano que se instaurou com a dita Revolução Industrial, que a esta altura atingia sobretudo as grandes massas operárias.
O próprio Capitão Belletable provou dos dissabores do indiferentismo, em que pese a sólida formação religiosa que recebeu da família, vivendo uma vida frívola e libertina. Sua conversão se deu precedida de uma grave crise de consciência, resultado do trabalho da Graça Divina na alma do militar sua mudança de vida.
Convertido, Belletable compreendeu que não podia ser católico somente para si e passou a lutar para que a vida das pessoas ao seu redor também se modificasse. Uma vez que havia dirigido uma fundição de canhões, não podia deixar de se sensibilizar pelos problemas vividos pelos operários, que entregavam-se ao alcoolismo e toda sorte de vícios, vivendo longe da religião e não se preocupando com a educação dos filhos. Surge assim, em seu coração, a inspiração para a criação de um movimento que, centrado na espiritualidade da Sagrada Família, buscasse resgatar as massas operárias para a vivência da fé e a prática religiosa, melhorando assim suas condições de vida.
Desde o seu nascedouro, a Associação da Sagrada Família contou com a assistência dos Missionários Redentoristas belgas, em especial do Pe. Vitor Isidoro Dechamps, mais tarde Arcebispo de Malines e Cardeal Primaz da Bélgica.
Em 1847, a obra fundada por Belletable e seus companheiros teve seus estatutos aprovados por Dom Cornélio van Boomel, bispo de Liège, que inclusive tornou-se membro honorário da “Santa Família”.
Belletable, no entanto, faleceu em 1855, aos 42 anos de idade, sem ver sua obra, que a pedido do já Cardeal Dechamps, foi elevada, pelo Papa Pio IX, à categoria de Arquiconfraria em 24 de abril de 1873, entregando-a aos cuidados dos Redentoristas, com o objetivo de a orientar e a propagar por todo o mundo.
Ainda no século XIX, a obra que nasceu da conversão de Henrique Belletable na Bélgica, alcançou diversos países da Europa. Atravessou o Atlântico chegando aos Estados Unidos e Canadá, passando pelas Antilhas, alcançando o Equador e o Chile. Atingiu, ainda, diversos países da África e chegando à Austrália e Nova Zelândia. Tudo isso graças às Missões Redentoristas que tiveram na associação um importante instrumento de perseverança de seus frutos.

A semente de Belletable é plantada na Terra de Santa Cruz

Quando, em 1893, chegaram os primeiros Missionários Redentoristas ao Brasil, os Padres holandeses Mathias Tulkens e Francisco Lohemeyer, o país encontrava-se com sua recém “proclamada” república e dominado pelas ideias positivistas, filosofia que, inspirada na crença do progresso contínuo da humanidade, afasta toda e qualquer religião ou crença na existência de um deus celestial, centralizando todas as suas razões no humano.
Muito mais do que promover a separação da Igreja e do Estado, uma comunhão que já vigorava no Brasil há praticamente quatro séculos, o governo republicano positivista propunha a dita “religião científica” como fonte de progresso em substituição ao catolicismo.
O ambiente político ideológico não poderia ser mais propício para que a obra de Belletable fosse difundida em nosso país, afinal, o Brasil, que nasceu sob o signo da Santa Cruz, estava ameaçado em sua essência que sempre foi profundamente cristã.
Como não poderia ser diferente, ao pregarem suas missões, os Redentorista preocupavam-se em implementar os meios para que os frutos de seu trabalho não se perdessem nas almas que tocavam, e a Associação da Sagrada Família era um instrumento providencialmente válido nesse sentido.
Após pregarem a primeira Missão Geral na Paróquia de Juiz de Fora, durante a segunda quinzena de março de 1902, os Missionários Redentoristas, sob a direção espiritual do Padre Thiago Boomars, fundaram no dia 31 daquele mês, na antiga “igreja dos alemães”, como era conhecida a primitiva Capela de Nossa Senhora da Glória, a primeira unidade da Associação da Sagrada Família em terras brasileiras. Agregando membros de diversas classes sociais, era composta de modo especialmente expressivo pelos imigrantes germânicos e seus descendentes, que, trazidos pela Companhia União e indústria, empresa de iniciativa do comendador Mariano Procópio Ferreira Lage, formaram a antiga Colônia Dom Pedro II.
Uma peculiaridade, porém, se dá nesta fundação. Ao ser transplantada para a Terra de Santa Cruz, a obra do capitão Belletable é batizada como Liga Católica Jesus, Maria, José.

O crescimento e a consolidação da Liga Católica Jeus, Maria, José

Conforme as Missões Redentoristas iam acontecendo, várias novas unidades da Liga Católica iam surgindo, como forma de perseverança dos frutos oriundos do trabalho desenvolvido pelos filhos de Santo Afonso nas localidades por onde passavam. Não apenas nos Estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro, que eram assistidos pelos missionários holandeses, mas também São Paulo, assistido por Redentoristas de origem alemã, e outros estados passaram a contar com a associação fundada pelo capitão Belletable.
As atividades desenvolvidas pela Liga Católica desde sua origem foram muito dinâmicas. Na Igreja da Glória, por exemplo, além das reuniões habituais, havia uma banda de música e apresentações de piedosas peças teatrais. Os músicos e atores leigos eram todos liguistas. Também diversas foram as romarias que os integrantes do movimento fizeram ao monumento ao Cristo Redentor, localizado no Morro do Imperador, ao Santuário do Bom Jesus, em Congonhas (MG), e ao Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida.
O movimento da Liga Católica Jesus, Maria, José deve, no entanto, seu crescimento no Brasil, além do trabalho desenvolvido pelos próprios liguistas e de incontáveis padres, não apenas redentoristas, a duas destacadas figuras: o Pe. João Batista Smits, redentorista holandês, e a Dom Sebastião Leme, Cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro.
Padre João Smits foi o primeiro diretor geral da Liga Católica e, sob sua incansável liderança, a associação chegou a incontáveis e longínquas localidades. Dom Sebastião Leme, por sua vez, foi o melhor amigo e maior propagador da Liga Católica no Brasil, tendo inclusive declarado que uma paróquia para se considerar completa deveria contar com uma unidade da obra iniciada por Belletable.
Dom Leme foi o grande articulador da reaproximação entre a Igreja e o Estado e da recuperação da influência católica junto à sociedade civil. Em todas as suas atuações nesse sentido, sempre contou com a contribuição dos liguistas, como na escolta da imagem de Nossa Senhora Aparecida durante seu traslado até o Rio de Janeiro, capital federal, em 31 de maio de 1931, quando foi coroada Rainha do Brasil após ser proclamada padroeira principal da nação, e na ocasião da inauguração ao monumento do Cristo Redentor, no Corcovado, em 12 de outubro do mesmo ano.
Sob essas duas lideranças, o Brasil se tornou o maior país Liguista do mundo, superando inclusive a Bélgica onde a associação surgiu.
Devido a esse grande crescimento, tornou-se necessário o estabelecimento no Brasil de uma Sede Primária para a Liga Católica, como a existente em Liège, onde foi fundada, a fim de agregar todas as unidades da associação no país. A Liga Católica da Igreja de Santo Afonso, no bairro carioca da Tijuca, por ser a mais expressiva em número de membros e, à época, estar situada na capital do país, recebeu, através da concessão de Breve Apostólico, datado de 14 de novembro de 1922, o status de Liga Primária, com a faculdade exclusiva de agregar todas as unidades no Brasil.

A Liga Católica se reinventa

Com as transformações ocorridas na Igreja Católica a partir do Concílio Vaticano II, na década de 1960, a Liga Católica passou por reestruturações, a fim de melhor dialogar com o mundo e atingir seu maior objetivo: a vida familiar.
Nesse sentido, não havia mais motivações para a admissão exclusivamente masculina de membros. Sob a direção espiritual do Padre Mário Ferreira, C.Ss.R., a Liga Católica foi aberta a participação feminina, tornando-se, assim, uma associação católica voltada para toda a família.
Atualmente as diversas unidades da Liga Católica encontram-se agrupadas em níveis diocesanos ou arquidiocesanos nas chamadas federações, sendo a unidade de nossa Paróquia a sede da Federação que abarca as unidades dos territórios da Arquidiocese de Juiz de Fora e da Diocese de Valença, localizada no Estado do Rio de Janeiro. Todas as 23 federações encontram-se, por sua vez, agrupadas em torno da Confederação das Ligas Católicas Jesus, Maria, José, situada na cidade de Campos dos Goitacazes, no norte fluminense. A direção espiritual nacional da Liga Católica fica sempre à cargo de um padre redentorista da Província do Rio, Minas e Espírito Santo, sendo o atual diretor, nosso recente ex-Pároco, Padre Edson Alves da Costa. Ele destaca a atualidade do lema “Ora et Labora” (orar e trabalhar), hoje não só tarefa dos homens, mas de toda a família, em busca de sua santificação.

Dia Internacional do Liguista 2019

Na Paróquia da Glória, a Unidade da Liga Católica é liderada por Dionísio Antônio Netto de Castro, liguista desde 1981, quando, recém-casado, foi convidado por seu sogro, Nelson Inácio de Mendonça, a participar da associação. Dionísio, com seus 40 anos de caminhada no movimento, tem a alegria de contar com a participação da esposa Maria Luiza e do filho Gustavo ao seu lado. Ele destaca que a Liga foi para si uma “escola divina” e deixa a todos uma mensagem de otimismo e um convite: “Não vamos ser apenas cristãos de vir à Missa. Tenhamos coragem de aprofundar a prática religiosa e a vida em comunidade através da Liga Católica!”Foi a partir deste convite que o jovem João Paulo Belozzi de Oliveira se motivou a entrar para a Liga Católica. Ele nos conta que, desde criança, admirava o trabalho realizado pela associação. Seu avô foi liguista e sempre lhe contava as histórias dos tempos em que a Liga tinha apenas a participação dos homens. Em suas palavras, a Liga Católica atua junto à comunidade, estendendo a mão no que for preciso, seja em missões ou visitas a doentes e idosos, o liguista leva sempre a Palavra de Deus àquele que dela precisa.
Sua entrada na Liga Católica foi seguida da de seus pais, Denise e Elídio. O casal destaca que o grupo incentiva a vivência cristã de seus membros e evangeliza as famílias, dando testemunho de perseverança, humildade, oração e caridade. Denise e Elídio falam da gratidão que sentem, enquanto família, quando, junto com a Liga, visitam idosos em asilos. “Deixamos um pouco do nosso amor e carinho nesse trabalho missionário”, destacam.
A Liga Católica da Paróquia da Glória também realiza encontros mensais, todo segundo domingo do mês, na Sala de Liturgia, aberta a todos que queiram participar do movimento.
Muita coisa mudou desde o nascimento da Liga Católica em terras brasileiras, mas a associação, sempre contando com a parceria dos Missionários Redentoristas, soube se adaptar aos tempos.
Segundo o Padre Ronaldo Divino de Oliveira, que foi o diretor nacional da Liga Católica entre os anos de 2001 e 2005, muitas resistências foram vencidas e muitas adaptações foram feitas para que ela pudesse, ainda hoje, dialogar com as famílias cristãs e ser um ponto permanente de apoio da Missão Redentorista. Segundo suas palavras, a Liga Católica soube se adaptar aos sinais dos tempos e ser um importante instrumento de evangelização dentro da proposta de uma igreja “sempre em saída”, como propõe o Papa Francisco.
Vida longa à Liga Católica Jesus, Maria, José!
Que venham mais 120 anos!

Nathan Ramalho dos Reis

João Paulo seguiu o exemplo do avô e hoje é liguista junto com seus pais

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