Da Gratidão à Glória – Uma história centenária

Nathan Ramalho dos Reis

Foto: Eliton Souza/PASCOM

Como Santo Antônio de Lisboa, seu padroeiro, a cidade de Juiz de Fora também cresceu sob a proteção de Cristo e o amparo da Virgem Maria.
No cume do Morro do Imperador, acidente geográfico de imponente presença à margem esquerda do Rio Paraibuna (eixo fluvial em torno do qual se desenvolveu), seu povo ergueu em 1906, um pioneiro monumento ao Cristo Redentor, que triunfante sobre a morte estende seu braço abençoando cada um dos juizforanos.
Já no alto de um outeiro mais discreto, como a Santíssima Virgem, outrora denominado “Morro da Gratidão”, refletindo a luz do sol ou iluminada em meio à noite, a Igreja de Nossa Senhora da Glória, com sua arquitetura marcante e torres altaneiras, se destaca em meio aos arranha-céus, em um tributo de gratidão e veneração à Mãe de Deus.
O viajante mais atento que aqui chega pelo Bairro Santo Antônio, no antigo “Morro da Boiada”, primitivo núcleo populacional da cidade, ao avistar a paisagem urbana, com suas construções modernas e edifícios altos, percebe que está indo ao encontro de um povo que tem fé e espiritualidade. Para aqueles que creem, mais que um sinal, é a certeza da presença do Criador em seu cotidiano e sua história.
Com sua construção atual inaugurada em 1924, a Igreja da Glória é o testemunho da fé dos colonos germânicos que aqui chegaram em 1858, trazidos pela Companhia União e Indústria, do empresário Mariano Procópio Ferreira Lage, contratados para formarem a Colônia Dom Pedro II, e do pioneirismo empreendedor dos Missionários Redentoristas holandeses, que vieram em 1893 a fim de lhes prestar assistência espiritual.
Oriundos do Tirol Austríaco e dos antigos Estados Alemães, os colonos germânicos se reuniam nos armazéns da Companhia União e Indústria, na hoje Rua Mariano Procópio, em uma pequenina capela já dedicada à Senhora da Glória. Como o espaço era pouco, imbuídos do mesmo espírito cristão, imigrantes católicos e luteranos construíram juntos uma “casa de oração” para uso comum de ambos os grupos, no local denominado “Boavista”, nos arredores da atual Rua Bernardo Mascarenhas.
No ano de 1877, o frei capuchinho Emmerich Hoffer de Prags, capelão austríaco, decide, junto aos colonos que assistia, pela construção de uma nova capela. No ano seguinte a Companhia União e Indústria, já em fase de liquidação, doa o terreno no alto do Morro da Gratidão para a construção da igreja em honra a Nossa Senhora da Glória, que tempos mais tarde dará nome a localidade.
Em 15 de agosto de 1879, ainda inacabada, é solenemente inaugurada a “igreja dos alemães”, como ficaria conhecida. Anos mais tarde, em 1893, com a vacância da capelania da Glória, os dois primeiros Missionários Redentoristas Holandeses, os padres Mathias Tulkens e Francisco Lohemeyer assumem sua administração e iniciam um novo capítulo na história da Igreja da Glória.
Com a vinda subsequente de outros padres e irmãos da Holanda e a fundação da primeira comunidade Redentorista do Brasil, a vida cotidiana da capela, que em 20 de janeiro de 1894 é elevada a curato e cinco anos mais tarde torna-se independente da Paróquia de Santo Antônio (atual Catedral), toma nova dinâmica e a frequência de fiéis aumenta a cada dia.


Planos adiados
Apaziguadas as questões administrativas e étnicas entre a antiga administração da capela e os padres holandeses e buscando melhor acolher as multidões de fiéis que acorriam ao Morro da Gratidão, em 1916 decidiu-se pela construção da atual Igreja da Glória, cujas dimensões são significativamente maiores que a da primitiva capela. Entretanto, nessa época todo o mundo sofria os impactos da Primeira Grande Guerra Mundial que, iniciada em 1914, se estenderia ainda por mais dois anos.
Paralelamente ao final do conflito bélico e um saldo de cinco milhões de vítimas, a pandemia da chamada Gripe Espanhola assolou o mundo com seu potencial devastador muito maior. Estima-se que entre as três ondas da pandemia, ocorridas nos anos de 1918 e 1919, mais de cinquenta milhões de pessoas foram mortas em todo o mundo.


Somente no Rio de Janeiro, então Capital Federal, em apenas um dia 920 pessoas morreram de Gripe Espanhola. Cadáveres ficavam dois ou três dias sem serem enterrados por falta de coveiros. O próprio Presidente da República Rodrigues Alves, recém-eleito para seu segundo mandato, contraiu o vírus e morreu por complicações decorrentes da doença.
Embora o tratamento inicialmente dado pelas autoridades da época à pandemia fosse de pouca importância o agravamento do contágio e o aumento do número de mortes levou o cientista Carlos Chagas, a pedido do governo, a tomar medidas de urgência, como a improvisação de hospitais e a distribuição de cartilhas com instruções de higiene e isolamento social. Medidas essas, que também no momento atual em que enfrentamos a pandemia do Covid-19, são de crucial importância.
Em Juiz de Fora, segundo os dados da época, morreram 566 pessoas em decorrência da Gripe Espanhola, entre 23 de outubro e 03 de dezembro de 1918, número considerável tendo-se em conta que a população da época contava com pouco mais de 100 mil habitantes. Dessas vítimas, 57 foram sepultadas no Cemitério da Glória e as demais no Cemitério Municipal.
Diante deste quadro, os Redentoristas suspenderam missas e outras atividades na Igreja da Glória, adotando medidas de assistência aos que lhes procuravam em busca de socorro e auxílio espiritual e material, contando com o apoio das autoridades eclesiásticas e civis, que punham à sua disposição somas pecuniárias.
A construção da tão sonhada nova Igreja da Glória teve que ser adiada.


A Pedra Fundamental
Com o controle e o fim da pandemia de Gripe Espanhola, assimilados os aprendizados que essa crise mundial proporcionou, o mundo pôde respirar aliviado e o ano de 1920 se iniciou com belas perspectivas para o Curato da Glória. A nova matriz enfim sairia do papel!
O projeto coube ao Irmão Redentorista Werenfrido Vogels, consagrado como desenhista e construtor, que seria também o diretor da construção. O padre Francisco Zitwing, capelão cura, teve em 15 de janeiro concedida a licença episcopal para arrecadar esmolas para a construção, obtendo grandes donativos.
Já no mês de janeiro, o caminho de acesso ao terreno sob o qual o novo templo seria erguido começou a ser melhorado; em fevereiro, o bosque que o cobria foi derrubado e, em março, tiveram início os desaterros necessários.
Em 20 de junho de 1920, festa de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, foi lançada a pedra fundamental da nova Igreja da Glória. Na véspera, o terreno foi preparado para a missa campal e a cerimônia do lançamento; um altar foi erguido e junto deste um biombo para um coro de vozes femininas, que cantariam na missa, acompanhadas do harmônio da igreja. Além disso, flâmulas e bandeirinhas enfeitaram o local que também recebeu barraquinhas para a quermesse e os leilões em benefício das obras.
Uma forte tempestade com trovoadas e chuvas fortes armou-se à noite e houve receio quanto à viabilidade do evento na manhã seguinte; no entanto, o local amanheceu enxuto. Às 10 horas da manhã teve início a Missa solene, que foi assistida por pessoas de todas as classes sociais, e em seguida celebrou-se a cerimônia de assentamento da pedra fundamental, abençoada pelo padre visitador dos redentoristas holandeses no Brasil. Os senhores Dr. João Penido, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, José Procópio Teixeira, Henrique Burnier e João Gualberto e suas respectivas esposas foram padrinhos e madrinhas do ato.
Por volta das 16 horas tiveram início os festejos comemorativos, durante os quais tocou a Banda de Santa Cecília e ouviam-se foguetes. A quermesse se estendeu até às 21 horas sob iluminação elétrica, o que, para a época, foi uma pioneira inovação nesta categoria de eventos.


Um centenário em isolamento social
No dia 20 de junho comemoraremos 100 anos do assentamento da pedra fundamental da Igreja da Glória. Uma série de eventos comemorativos ao centenário da construção de nossa Igreja foi planejada pela paróquia. Infelizmente alguns planos, como o lançamento do Guia da Igreja da Glória escrito pelo Padre Braz, o concurso fotográfico e palestras, tiveram que ser adiados em razão da pandemia do Covid-19.
No entanto, mesmo em isolamento social, impossibilitados de subirmos as escadarias da Igreja da Glória e adentrarmos por suas portas, é tempo de fazer memória e agradecer!
É tempo de lembrar aqueles nomes que a história local consagrou e aqueles que ficaram esquecidos nas brumas do tempo. É tempo de rever os fatos e acontecimentos que ensejaram a construção da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Glória. É tempo de agradecer o legado espiritual que nos foi transmitido junto com o majestoso templo. É tempo de buscar em nossas memórias pessoais a história vivida e testemunhada pelas paredes de nossa igreja. É tempo de perceber que somos nós que fazemos sua história hoje. É tempo de nos responsabilizarmos por sua conservação e manutenção. É tempo de pensarmos a Igreja da Glória que queremos legar às gerações futuras. É tempo de nos alegrarmos, pois, como há um século, nossos ancestrais sabiam que a Senhora da Glória perpetuamente os socorreria e as restrições e incertezas do tempo de pandemia passariam, trazendo novas perspectivas.
É tempo de gratidão! É tempo de Glória!

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