Sobre a Paróquia da Glória

Em 1893 chegaram ao Brasil os primeiros redentoristas. Eram dois holandeses completamente alheios à língua e ao típico modo de ser brasileiro e mineiro. Eram pioneiros, vinham para estudar a possibilidade de estabelecerem-se em Minas, chamados pelo arcebispo de Mariana, Dom Antônio Maria de Sá e Benevides.

A escolha de Juiz de Fora para sua primeira residência não foi casual. Uma das razões foi a garantia de sobrevivência, dentro de uma das costumadas grandes crises econômicas por que passava o País. Juiz de Fora também começava a se destacar como um promissor centro industrial.

Além disso, havia uma insistente solicitação da colônia alemã estabelecida nos bairros Borboleta, São Pedro e Bernardo Mascarenhas e formada por operários que vieram trabalhar na empresa de Mariano Procópio, com a construção da estrada União-Indústria. Estavam sem capelão, e muitos dos colonos entendiam mal o português. Para quem falava o holandês, língua irmã do alemão, não era difícil fazer celebrações no idioma dos imigrantes.

Os dois pioneiros holandeses assumiram o curato da Glória (curato é uma região que ainda não é paróquia), que tinha como centro a igreja construída no alto do Morro da Gratidão, hoje, Morro da Glória. Eles celebravam, na falta de pastor, casamentos entre luteranos.

Salvadores da Religião

Existe abundante documentação da convicção dos redentoristas holandeses convidados por Dom Silvério como salvadores da religião.Passava a Igreja do Brasil por profunda crise. Falta de padres, falta de vocações para o ministério sacerdotal, padres que não observavam o celibato prescrito, falta de dinheiro. O regime republicano recentemente imposto ao povo brasileiro, era bastante anticlerical, declarando separação total entre Igreja e Estado e suprimindo os salários de bispos e padres, antes pagos pelo Estado Monárquico do Padroado. Havia um choque religioso e cultural entre a reforma tridentina (tentativa de implantar a doutrina da Igreja do Concílio de Trento, 1563) dos chamados bispos reformadores e a tradicional igreja popular.

Nas conversas dos holandeses com Dom Silvério, o bispo se extasiava com a descrição das práticas devocionais da Holanda e declarava o que esperava dos missionários: reforma dos costumes e das devoções do povo e do clero.

Ao chegarem, os padres se instalaram em uma casa particular, na Rua dos Artistas, cedida como estadia provisória. Como fosse esperada uma boa leva de novos missionários, era preciso providenciar residência definitiva. Em dezembro de 1894, os padres pediram a colaboração do povo da Glória, de São Pedro, do Grama e de Benfica para a construção do convento (residência dos padres). Foi preciso derrubar árvores seculares e aplainar o terreno. Em outubro de 1895, padres e irmãos mudaram-se para o convento ainda em obras.

A Paróquia, com o nome de curato, ia sendo organizada, e foram fundadas as associações que funcionavam bem na Holanda: Liga Católica Jesus, Maria, José; Arquiconfraria de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, Apostolado da Oração e Filhas de Maria. Geograficamente, a Paróquia era muito extensa, abrangendo Igrejinha, Benfica, Barreira do Triunfo, São Pedro, Grama, João Ferreira. O meio de transporte eram os cavalos e a charrete.

A Nossa História

A Congregação do Santíssimo Redentor foi a resposta de Santo Afonso de Ligório ao chamado que ele ouviu de Jesus através dos pobres. No ano de 1730, Afonso estava exausto por causa dos seus trabalhos missionários. Seus médicos mandaram-no fazer repouso e respirar o ar puro das montanhas. Com alguns companheiros, ele foi para Scala, na costa amalfitana ao sul de Nápoles. No topo das montanhas ficava o Santuário de Nossa Senhora dos Montes, lugar ideal para descanso, lugar ideal para a contemplação perto da Mãe de Deus: montes, belo panorama e embaixo, o mar.

Mas Scala também significava pobreza. Naquelas montanhas viviam grupos de pastores que vieram ao encontro dos missionários, em busca do Evangelho, da Palavra da Vida. Afonso ficou surpreso com sua fome da Palavra de Deus e recordou o que disse o profeta: “Os pequeninos pedem pão, mas não há ninguém que lhes dê” (Lm 4,4). O primeiro biógrafo de Afonso escreveu que, ao deixar Scala, um pedaço do seu coração ficou com aqueles pastores e que ele chorava pensando como podia ajudá-los.

Em Nápoles, depois de muita oração e aconselhamento que o ajudassem a discernir claramente, chegou à conclusão de que devia voltar a Scala. Sim, havia pobreza em Nápoles também, mas lá havia muitos outros que poderiam ajudar os pobres a sair da sua marginalização dentro da sociedade. Em Scala os pobres estavam sós, sem ninguém para ajudá-los, totalmente abandonados. No tempo de Santo Afonso, pastores e camponeses eram o grupo mais oprimido da sociedade: “não eram considerados gente como as outras pessoas, eram os infelizes do mundo”. Foi por causa do destino deles na vida que Santo Afonso escolheu ficar a seu lado, compartilhar com eles a sua vida e levar-lhes, com abundância, a Palavra de Deus.

No dia 9 de novembro de 1732, na sua amada Scala, Santo Afonso de Ligório fundou a Congregação do Santíssimo Redentor para seguir o exemplo do nosso Salvador Jesus Cristo anunciando a Boa Nova aos pobres. Tinha 36 anos de idade. Sua vida tornou-se uma missão e um serviço aos mais abandonados.

Os Missionários redentoristas dão continuidade ao carisma de Santo Afonso na Igreja e na sociedade: “Fortes na fé, alegres na esperança, ardentes na caridade, inflamados de zelo, humildes e sempre dados à oração, os Redentoristas, como homens apostólicos e genuínos discípulos de Santo Afonso, seguem o Cristo Redentor com o coração cheio de alegria, abnegados de si mesmos e sempre prontos a enfrentar o que é exigente e desafiador, participam do mistério de Cristo e o proclamam com simplicidade no viver e no falar, a fim de levar ao povo a Copiosa Redenção” (Constituições redentoristas, No. 20).

Os Redentoristas vivem em comunidades missionárias, sempre acolhedoras e orantes, como Maria de Nazaré. Mediante as missões, retiros, serviço paroquial, apostolado ecumênico, ministério da reconciliação e o ensino da teologia moral, proclamam o amor de Deus nosso Pai, que em Jesus “habitou entre nós”, de modo a tornar-se imensa misericórdia e a Palavra de Deus que alimenta o coração humano e dá sentido à vida, vivendo tudo isto em plenitude e solidariedade com os outros. Como Santo Afonso, os Redentoristas fazem uma opção muito clara pelos pobres, afirmando a sua dignidade e grandeza perante Deus e acreditando que a Boa Nova de Nosso Senhor se destina especialmente a eles.

Os Redentoristas são aproximadamente 5.500; trabalham em 77 países de todos os 5 continentes, com o auxílio de homens e mulheres que colaboram na sua missão e formam com eles a Família redentorista. “Nossa Senhora do Perpétuo Socorro” é o ícone missionário da Congregação.

Além de Santo Afonso, outros três Redentoristas foram canonizados: São Geraldo Majela, São Clemente Hofbauer e São João Nepomuceno Neumann. Nove Redentoristas foram beatificados: Gennaro Sarnelli, Pedro Donders, Gaspar Stanggassinger, Francisco Xavier Seelos, Domingos Metódio Trcka, Vasyl Velychkovskyi, Zynoviy Kovalyk, Mykolay Charnetskyi e Ivan Ziatyk.

Questão Alemã

Não foi totalmente pacífica a vida dos redentoristas da Glória. Entre os problemas destacaram-se a chamada “questão alemã” e o cisma da igreja de São Roque, que chegou até a ter um bispo apóstata. O cemitério, anexo à igreja, foi dividido, metade para os católicos, metade para os luteranos.

É bastante complexa a “questão alemã”. Inclui problemas de divisão de terrenos concedidos à colônia alemã, que se compunha de católicos e luteranos; revolta dos alemães católicos quando os padres decidiram, em 1897, que não haveria mais catecismo e pregações em alemão; e oposição de um chamado Culto Católico, dirigido por uma comissão de leigos que se opunham aos redentoristas holandeses.

Com o aumento da população, tornou-se pequena a antiga igreja dos alemães. Já em 1916, decidiu-se pela construção de uma igreja atrás da antiga. Em plena I Grande Guerra Mundial, não foi possível executar o projeto.Em 1919, foi construída a atual escadaria. Em 1920, o irmão leigo que já se consagrara como engenheiro e arquiteto, Irmão Werenfrido, fez a planta que ficou exposta em moldura na velha igreja. Começa a coleta de donativos. A 20 de junho do mesmo ano, em missa campal festiva, é lançada a pedra fundamental da nova igreja.

Foi muito generosa a colaboração do povo. Houve até um jogo entre o Tupi e o Industrial Mineira, em benefício das obras. A construção foi muito rápida e, em 24 de agosto de 1924, procedeu-se à inauguração e bênção solene.

A igreja tem as seguintes medidas: 45 metros de comprimento, 21 metros de largura (27 na linha das naves laterais). Tem duas torres: a maior, de 50 metros de altura, sustenta os quatro pesados sinos. Criou-se uma versão popular: a torre grande era Nossa Senhora e a pequena, o Menino Jesus.Os altares, com suas imagens, e o púlpito vieram do Tirol (Austria). O tabernáculo veio da Bélgica.

O estilo da igreja é meio eclético. Seus arcos são românicos, com abóbadas que lembram de longe o gótico. Toda a construção é feita de tijolos e cal, sem nada de cimento armado.Durante a construção da nova igreja, foi mantida em funcionamento a antiga como se vê em fotografia. No dia 12 de abril de 1923, quando já quase pronta a nova, aconteceu o incêndio que destruiu a velha igreja. O alarme foi dado por um rondante da Cervejaria Americana. Ao toque dos sinos acorreu muita gente para ajudar a apagar o fogo; foi chamado o corpo de bombeiros; o prefeito, Dr. José Mariano Procópio, acionou a polícia e tomou outras providências.

Não foi possível impedir a total destruição da igreja; salvaram-se apenas as imagens.Não houve uma explicação concludente para as causas do incêndio. Falou-se em velas deixadas acesas por ladrões que, dias antes, já tinham roubado o cofre da igreja.

Sem nunca perder o dinamismo

Em mais de cem anos de existência, a Paróquia da Glória não perdeu o primitivo dinamismo. As antigas associações ficaram enfraquecidas, mas nasceram os ministérios pastorais, dentro do chamado protagonismo dos leigos.O antigo salão, construído no espaço antes ocupado pela estrebaria dos anos iniciais, cedeu lugar a uma construção que parece continuação da igreja, no mesmo estilo, com belo salão, em baixo, e amplas salas no andar superior, para a catequese e outras atividades.

Redentoristas jovens vão ocupando o lugar dos mais velhos, com o mesmo ardor missionário. Geograficamente, a Paróquia está reduzida à Matriz e às capelas de São Vicente (Borboleta), São Zacarias (Democrata) e São Roque, depois de ter sido desmembrada para criar as atuais paróquias de Benfica, Barreira do Triunfo, Santa Cruz, Senhora da Cabeça, Francisco Bernardino, Grama, Santa Terezinha, Santa Rita, Bandeirantes.

A festa principal continua sendo a de Nossa Senhora da Glória, que antigamente era celebrada todo dia 15 de agosto, mas que por orientação da Liturgia da Igreja, passou para o terceiro domingo do mesmo mês. Em busca de novos caminhos para a criação de uma paróquia missionária redendorista, é preciso manter viva a memória daqueles que fundaram a “igreja da Glória”. Por muito tempo mantiveram-se na lembrança do povo P.e Matias Tulkens, P.e Francisco Zitwing, P.e Adriano Wiegant, P.e Vicente Zeij, P.e Julio Maria e os irmãos arquitetos Werenfrido e Gregório e tantos outros. Holandeses que fizeram um esforço extraordinário para adaptar-se á cultura brasileira, tão diferente da holandesa. Recentemente foram considerados santos, pelo povo, os padres Vicente e João Michelotto.

Os redentoristas da Glória sempre deram muita importância ao atendimento do povo. Interessaram-se pelos problemas sociais, por movimentos de intelectuais católicos (União dos Moços Católicos), pelos sindicatos. A presença dos redentoristas foi sempre marcante na história da Arquidiocese. Muitos bairros da cidade, hoje populosos, nasceram em redor de igrejas construídas e assistidas por eles.

Os redentoristas da Glória, hoje, procuram não desmerecer do passado dinâmico dos que os precederam, e manter com zelo apostólico o fervor de seus paroquianos.Em outubro de 2000, a Igreja da Glória foi tombada como Patrimônio Histórico Municipal.