A experiência da humildade

Nathan Ramalho dos Reis

Certa vez o poeta Fernando Pessoa, em seus versos, indicou que, se depois de sua morte, quisessem escrever sua biografia seria muito simples pois nela só haviam duas datas, a de sua nascença e a de sua morte, e entre essas duas coisas todos os dias foram seus, descrevendo em seguida como desejou viver. Se, a partir dessa raciocínio do poeta lusitano, formos pensar na biografia do Padre Flávio Leonardo dos Santos Campos, veremos que entre suas datas de nascença e de morte, ele escolheu gastar seus dias realizando a experiência da humildade.
O menino Flávio Leonardo, primogênito dos quatro filhos de dona Fátima e do senhor Nivaldo, nasceu em 18 de agosto de 1976 em Congonhas do Campo. Em um lar profundamente cristão, desde muito cedo aprendeu amar a Jesus Cristo e Maria Santíssima sua mãe, recebendo no seio familiar os primeiros fundamentos da fé.
Crescendo na velha cidade mineira, cercado de imenso relicário artístico-religioso e arquitetônico, dos tempos do Brasil colônia, foi gradativamente desenvolvendo grande interesse pela história e pelo patrimônio cultural de sua terra, sensibilidade esta que o acompanhou por toda a vida.
Já adolescente deixa sua cidade e a casa dos pais e entra para o seminário em Juiz de Fora em busca de discernimento vocacional junto aos Redentoristas, cuja marca do trabalho missionário realizado em Congonhas junto ao Santuário do Bom Jesus de Matozinhos, ainda hoje, é muito significativa.
Seus estudos vão avançando junto com seu conhecimento da espiritualidade Alfonsiana, e mesmo em meio às suas dúvidas e inseguranças, o chamado do criador se torna cada vez mais forte: ser padre missionário na Congregação do Santíssimo Redentor. Entendendo que o Senhor da Messe capacita os escolhidos prossegue seu caminho!
Tendo recebido o Sacramento da Ordem em sua terra natal, tal qual o servo bom e fiel, colocou os inumeráveis talentos que recebeu em prol do anúncio da Copiosa Redenção. Esquecendo-se de si próprio, dedicou-se por inteiro à missão assumida!
Fosse no trato com as almas cujo pastoreio lhe fosse confiado, no trato com seus confrades, nas tarefas administrativas ou mesmo nas mais simples, como lavar o chão da igreja, no preparo e celebração da liturgia, na organização e catalogação de bens culturais, o zelo e o cuidado foram sempre suas características principais. Presença discreta, de quem fala pouco e trabalha muito, cuidava de tudo com a competência que lhe era peculiar e a todos dedicava a mesma atenção, vendo em cada rosto o rosto do Cristo que o chamava pelo nome!

Um homem de Deus
Homem silencioso, de poucas palavras, sempre buscou ouvir a voz de Deus no mais profundo de si mesmo a fim de compreender sua vontade, fazendo-se para isso pequeno. Como São Paulo, esteve junto de nós, com sua fraqueza e seu receio. Sua palavra e sua pregação não tinham nada dos discursos persuasivos da sabedoria, mas demonstravam o poder do Espírito, para que nossa fé se baseasse em Deus e não na sabedoria dos homens.
Um dia, em 31 de agosto de 2020, Padre Flávio, tal como qualquer criança, fechou seus olhos e adormeceu, e nesse seu sono, não chamando qualquer atenção para si mesmo, acordou nos braços do Redentor!
Ah, Padre Flávio como a vida nos surpreende e quão limitada é a nossa capacidade de lidar com o imponderável… Mas o que é o tempo neste mundo quando temos a perspectiva da eternidade e tomamos consciência da nossa condição de peregrinos? Misteriosos são os planos do Criador e à nós não cabe questionamentos.
Agradeço, pois sim, a oportunidade que todos tivemos de aprender com sua simplicidade e humildade! Foi por se fazer pequeno que se tornou grande exemplo para nós! Nesses tempos de tantos contratestemunhos, fica o seu testemunho de amor e serviço a Deus, à Igreja e ao próximo!
Aí do céu, onde já pode, como São Paulo, guardar a fé, pois é certo que combateu o bom combate, continue intercedendo por nós, que ainda estamos na carreira, para que “cuidemos do broto, pra que a vida dê flor e fruto”!
Até um dia, no paraíso, meu querido amigo!

“Padre Flávio deixou para nossa Província um legado de trabalho, dedicação e criatividade missionária. Nos diversos serviços que ele assumiu, sempre se comprometeu com seriedade e zelo. Tais virtudes são fundamentais para este tempo em que vivemos na cultura do conforto, do comodismo e do individualismo. Suas marcas ficarão entre nós nas várias obras que ele administrou e também em nossos corações, pelo relacionamento que tivemos. Sua presença agregou valor humano e religioso à nossa caminhada Provincial. Sua partida deixou-nos atônitos! Mas, é preciso seguir adiante, guardando no coração as boas recordações de sua presença entre nós! Que ele interceda a Deus por mais vocações para nossa Província. Avante, pois!”
Pe Nelson Antônio Linhares, C.Ss.R.

“No último dia de Agosto, mês vocacional, fomos surpreendidos com o chamado do Pe. Flávio de volta a casa do Pai. Notícia que comoveu profundamente a nós que o conhecemos. Muitos momentos e recordações de um Redentorista que doou sua vida a Congregação. Discreto e atento as coisas que podiam passar despercebidas. Curioso com a História Redentorista. Cada descoberta era partilhada com admiração e alegria. Como um bom mineiro rendia a conversa, devagarzinho, as vezes com intervalos de silêncio pulava de um assunto ao outro. De ritmo próprio, sempre caminhando de bem com a vida. Com humildade administrava o que lhe era confiado. Com o jeitinho próprio de quem nasce em Congonhas era próximo de todos. Fica a saudade de um confrade e amigo que agora no céu, deve estar fazendo grandes descobertas e nos esperando para contá-las.”
Pe. Jonas Pacheco Machado, C.Ss.R.

“Falar de padre Flávio é bastante difícil. Mas vamos lá. Um homem simples. Um amigo que Deus me deu. Convivemos pouco tempo, mas o suficiente para ter por ele uma grande amizade e carinho. Este foi para mim de um aprendizado imenso. Sua humildade e timidez eram características bastante marcantes. Aprendi muito com ele. Agradeço-o por tudo que me ensinou. Vou repetir aqui uma frase que uma pessoa disse no enterro do meu irmão: ‘Deus gosta das coisas boas’. Que ele descanse em paz. Cumpriu sua missão.”
Vânia Lucia Lima Pimentel

“Padre Flávio foi uma pessoa muito importante na minha história. Muito além dos ensinos religiosos, com ele aprendi sobre a vida. Recordo-me até hoje que aos 10 anos pedi a minha avó Magaly para ser coroinha e ela escreveu uma carta para Flávio, que na mesma hora me aceitou. Mesmo não tendo a idade adequada comecei os trabalhos na Igreja. A partir daí acompanhei o padre durante sua trajetória na Igreja da glória e pude perceber a pessoa incrível que ele era, desde nas missas com homilias que sempre nos traziam uma boa reflexão a respeito da vida, até nos encontros na Paróquia, sempre muito calmo e sereno, não se estressava com facilidade e sempre dava atenção a todos, em especial aos jovens que sem dúvida alguma se sentiram muito acolhidos na igreja enquanto ele estava pároco digo por experiência própria.Além de celebrar uma missa especial para os jovens, ele sempre promovia eventos como o retiro espiritual que reunia a juventude e no qual fiz amizades que duram até hoje.”
Mateus Sarlo da Rocha

“Falar do Padre Flávio é antes de tudo falar de sua presença amiga e até mesmo paternal em diversos momentos da minha vida. Homem discreto, de uma simplicidade sem igual, era o amigo das longas conversas sobre os mais diversos assuntos, sempre demonstrando sua grande cultura e preparo. Por diversas ocasiões tive o prazer de participar junto com ele da fabricação da tradicional cerveja do convento e do pão de cevada, receita que juntos desenvolvemos e que pretendo dar continuidade. Jamais demonstrou qualquer problema em assumir as mais diversas e humildes funções, sempre atento ao que se passava ao seu redor, cuidando de tudo nos seus mínimos detalhes. Levarei em mim tudo o que com ele aprendi e vivi! Até breve, meu amigo!”
Arthur Filgueiras

“Foi recebido por Jesus e Maria no céu e deixou triste nosso coração. Um grande amigo Padre Flávio. Amigo que quando esteve como Pároco na Igreja da Glória trouxe grandes mudanças. Uma que sempre vou lembrar é a retirada das grades das laterais do altar. Ensinou-me o precioso talento de ouvir as pessoas sempre com serenidade e tranquilidade. Com este dom conquistou os corações das pessoas. Agradeço a Deus por ter um amigo intercedendo no céu, como Padre Flávio, que por onde passou deixou seu exemplo de ser simples e fraterno aos irmãos.”
Rogério da Silva Melo

“Padre Flávio, mais um amigo que a Glória me deu! Conheci-o ainda como seminarista e já se mostrava curioso. Sentava-se conosco no Provincialado para saber questões principalmente de arquivo. Seguiu seu caminho vocacional e nos reencontramos quando ele assumiu, ainda muito novo, o cargo de Pároco na Igreja da Glória. Foram 2 anos de muito trabalho juntos e várias histórias. O que me chamava a atenção nele era a sua simplicidade, o seu zelo pelas coisas de Deus, a sua curiosidade e por nos surpreender positivamente com suas atitudes. Tinha um grande cuidado com a memória da Congregação Redentorista. Cumpriu muito bem o seu papel, com trabalho incansável, silencioso e admirável.
Minha eterna gratidão por ter deixado eu ser além de funcionário, um amigo. Amigo a gente conta nos dedos e você era um amigo de verdade. Descanse em paz. Obrigado por tudo que fez por mim. Um homem de poucas palavras, mas de atitudes e gestos verdadeiros. Lembro-me do que me disse quando foi embora de JF: “não sou muito bom para despedidas”. Agora está difícil despedir de você. Um amigo como você não vai assim, fica guardado para sempre dentro dos nossos corações. Deus te abençoe e te guarde em um lugar muito especial. Você é merecedor. Meu abraço carinhoso à sua família e à Família Redentorista. Estou sentindo muito… “Amigo é coisa pra se guardar, dentro do coração… Qualquer dia amigo a gente vai se encontrar”.

Fernando Toledo Campo Dall’Orto

“Andou por toda parte fazendo o bem”
Assim o Vigário Provincial, Pe. Paulo Sérgio Carrara, C.Ss.R. descreveu Pe. Flávio Leonardo Santos Campos, C.Ss.R, que faleceu em Belo Horizonte (MG), no dia 31 de agosto, aos 44 anos, vítima de infarto.
A Missa de Sétimo Dia de Pe. Flávio foi celebrada no dia 5 de setembro, na Igreja da Glória, presidida pelo Superior dos Missionários Redentoristas de MG-RJ-ES, Pe. Nelson Antônio Linhares, C.Ss.R., e concelebrada pelo Conselho Provincial, comunidades vocacionais Santo Afonso e São Clemente e Pré-Noviciado. Na homilia, Pe. Carrara destacou o carinho que Pe. Flávio tinha por todos. “Com seus talentos, muito especiais, deu o melhor de si para o bem do grupo, sem buscar a si mesmo. Ele era muito discreto, não buscava os holofotes. Fazia muito e aparecia pouco. Trabalhou muito para Província. Cuidava das estruturas, mas também cuidava da gente, dos seus irmãos, com muitos gestos de carinho, de ternura, de atenção.”
Pe. Flávio foi Pároco da Glória entre os anos de 2009 e 2011. Atualmente, morava na Comunidade Redentorista da Igreja São José, em Belo Horizonte (MG), onde era Secretário de Administração da Província Redentorista MG-RJ-ES.

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